É preciso que a vida se sobreponha a morte. É necessário que a dor, a perda possam ser vividas, elaboradas para que possamos colocar em marcha outros projetos, abrindo espaços para sonhos possíveis.
LUTO: UM TEMPO TEMIDO,
UM TEMPO NECESSÁRIO
partiram num cortejo silencioso e iluminado...
O tempo me ensinou a não acreditar
demais na morte
nem desistir da vida.
Lya Luft
Embora a morte faça parte do desenvolvimento humano, lutamos durante a vida pela idéia da imortalidade, e tentamos negar qualquer possibilidade de perda das pessoas que amamos. Quando a morte acontece, a sensação de dor é tão grande que temos a impressão de que vivemos um pesadelo que, em breve, vai passar. A tarefa mais difícil é constatar que o sonho é real e que é impossível fugir dele.
Abre-se um imenso buraco, e a sensação de vazio invade a alma com muita força. É como se ficássemos órfãos de nossas próprias crenças, e sem esperança de poder continuar vivendo depois deste duro golpe. O curso do tempo, que até então era sem importância, passa a ser um inimigo a ser enfrentado e, só aos poucos, descobre-se que é dele que virá o acalento.
Talvez, neste exato momento, muitos de vocês se sintam assim, experimentando um terrível vazio, e sem ânimo para continuar vivendo. Este é o início de um tempo muito difícil, de um tempo de dor, de um tempo de mudanças e transformações por dentro e por fora também. Este é o tempo do luto.
POR QUE DÓI TANTO?
A dor que dói dentro do peito é do tamanho da ligação que se tinha com quem partiu. Leva tempo para nos ligarmos a uma pessoa e, portanto, será necessário também um longo tempo para nos desligarmos dela. Desligar não é esquecer, mas é poder viver com a lembrança da pessoa que partiu sem se machucar tanto. Com o passar dos dias e dos meses, essa dor se transformará em saudade e lembranças.
QUANTO TEMPO VAI DURAR ESSE SOFRIMENTO?
É preciso entender que, neste processo de luto, há dois tempos correndo juntos:
o tempo do relógio e o tempo interno de cada um. Estes tempos nem sempre são coincidentes. O tempo do relógio marcará as horas, os dias, as semanas, o mês e os anos; mas o tempo de dentro tem uma marcação diferente. Ele anda conforme as sensações e sentimentos de cada um; por isso o tempo do luto é diferente para cada pessoa. Haverá dias em que a ausência parecerá algo muito recente, algo ainda muito doído. Em outros momentos, haverá uma impressão de melhora, como se o Sentimento de falta houvesse rapidamente passado. Sem dúvida, o tempo do relógio irá ajudar o enlutado a entrar novamente na realidade, com o difícil encargo de aprender a conviver com o sofrimento. Mas, como as pessoas são diferentes, vivem seus sentimentos de forma diferente, e também elaboram o luto em tempos diferentes e de forma muito pessoal.
OS PRIMEIROS DIAS...
O dia do falecimento de alguém que amamos é, com certeza, um dia em que tudo parece ser parte de um filme do qual você nunca mais esquecerá. Uma sensaçãode que o chão se abriu e de que você tem de ser “forte” para não cair, mas suas pernas e seu corpo não controlam tantas emoções e tanta dor.
Os encaminhamentos práticos – velório, sepultamento, avisar parentes e amigos – talvez o distancie um pouco das emoções, mas em algum momento você vai ter de lidar com elas. O estado de confusão é muito comum nestes primeiros dias.
Crises de choro, depressões, alterações de sono, de apetite e de humor são reações esperadas. Nesse momento, muitas coisas perderão o sentido para quem vive o luto. Até as tarefas mais simples do dia-a-dia poderão ser difíceis demais de serem realizadas.
Quem quiser prestar um apoio, a alguém que vive o luto, poderá realizar essas tarefas cotidianas para permitir que o enlutado se restabeleça e, aos poucos, volte à sua rotina. Voltar para casa sempre é difícil, pois representa voltar para a vida sem a pessoa que perdemos. Esta volta pode ser adiada por alguns dias, mas em algum momento terá de acontecer e será acompanhada de sofrimento.
A rotina diária vai contando o que aconteceu e, por isso, os primeiros dias são tão doloridos e difíceis.
Todo apoio é bem-vindo nesse momento, mas é preciso que a pessoa quedeseja ajudar também esteja pronta para ouvir e enxugar as lágrimas que vão rolar.
Não tente impedir o enlutado de sofrer a sua dor, de sentir saudade... ele precisa “dar palavras a sua tristeza porque o pesar que não fala endurece o coração já sofrido”
(Shakespeare).
OS ANIVERSÁRIOS E AS DATAS COMEMORATIVAS...
As datas de aniversário de nascimento e morte, assim como outras datas comemorativas, são ocasiões de muito impacto e recordações. Portanto, alterações emocionais são esperadas nestas circunstâncias. Mas, essas datas não podem ser apagadas do calendário, por mais sofrimento que tragam. É preciso, ao contrário, reaprender a conviver com esses dias e a comemorá-los de um jeito diferente.
O Dia de Finados, em especial, além de homenagear os entes queridos, levanos a pensar no enigma da morte, em nossos limites e fraquezas, confrontando-nos com o fato de que somos mortais e fazendo-nos repensar a forma como estamos lidando com a vida.
COMO POSSO AJUDAR UMA PESSOA ENLUTADA?
Todo apoio e cuidado dos familiares e amigos é bem-vindo, já que a sensaçãode perda gera instabilidade, desamparo e confusão. Se você quer ajudar um enlutado, atente para algumas orientações:
* É necessário, em primeiro lugar, que você o deixe expressar sua dor, permitindo que ele demonstre a saudade da forma que puder;
* Não o impeça de chorar e não lhe exija ser mais forte;
* Seja paciente com as reações diferentes e inesperadas do enlutado;
* Esteja por perto e coloque-se à disposição para ajudá-lo naquilo que for preciso. Nesse momento, tarefas simples do dia-a-dia podem parecer difíceis de serem realizadas sem auxilio;
* Nunca diga: “foi melhor assim”; pois nem sempre o será para a pessoa que ficou;
* Não finja que nada aconteceu nem fique tentando distrair a pessoa;
* Deixe-a expressar-se por meio de sua espiritualidade e de suas crenças,
mesmo que você não partilhe delas.
Enfim, se você quer realmente ajudar, escute o enlutado sem interferir em seus sentimentos. Às vezes, um abraço e o silêncio são mais eficazes do que um milhão de
palavras.
Lembre-se de que a morte, embora seja um processo natural da vida, é um grande enigma para o homem, e a dor da perda sempre será o seu maior sofrimento.
Ana Lúcia Naletto e Lélia de Cássia Faleiros Oliveira são psicólogas clínicas do centro de Psicologia Maiêutica, especializadas no trabalho com enlutados, e desenvolvem projetos de apoio à família no Cemitério Primaveras, por meio de palestras e grupos.
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