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Que ao sair daqui, você tenha ativado sua sensação de paz, harmonia e auto-confiança.

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... e até que nos encontremos de novo...

que Deus lhe guarde, serenamente,
na palma de Suas mãos!



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sexta-feira, 4 de junho de 2010

À sombra de Deus - Alberto Frederico Lins


À sombra de Deus

Ao passar na serra das Ruças, outro dia, vi, andando na beira da estrada, um desses tipos sem rumo de vida, andrajoso, os cabelos escorridos alourados de poeira e detritos, sem passado, presente ou futuro.

Curioso de saber o que pensava uma criatura assim, no último degrau da miséria, sem identidade ou ligação social com quem quer que fosse, parei meu "Fiat" mais na frente, e, saltando, esperei-o.

Ao aproximar-se, falei-lhe: - Seu Zé, poderia dar-me uma informação? Respondeu: - Diga. Prossegui: - É o seguinte: sou professor de História e Psicologia e gostaria que me dissesse no que vinha a pensar, quando o avistei ali atrás. É apenas para um estudo pessoal; nada de importante.

Olhando-me nos olhos, o mendigo sentou-se na elevação do cascalho; tirou do ombro uns restos de cobertor tão sujos quanto ele próprio, e respondeu-me: - Pensava, meu senhor, num cachorrinho dogue, que, ontem de tarde, encontrei ferido na rodovia aí em baixo, perto de Pombos.

Um carro quebrara-lhe os quartos traseiros. Estava ali para morrer, sozinho. Puxei-o mais para o mato e ajeitei-lhe a cabeça no meu colo. Olhava-me e gemia bem baixinho. Às vezes balançava a ponta do rabo.

Acomodei-o, como gostaria que fizessem comigo. E fui, bem devagarinho, passando-lhe a mão direita sobre os quartos, e ele, como se entendesse, ficou parado, a estremecer aqui e ali. Vi que estava morrendo e comecei a cantar-lhe algumas dessas músicas que se ouvem por aí e as mães ciciam para os filhos, enquanto acariciava-lhe a cabeça.

E assim, algumas horas depois, olhando-me, morreu. Enterrei-o ali mesmo, e, como a noite se fosse fechando, arranchei-me no barranco e dormi perto. Só hoje comecei a subida da serra. Era, meu senhor, na dor daquele bichinho que vinha pensando, quando o senhor me parou.

Estava pasmado! Não era riqueza ou poder no que aquele homem pensava! E nem em injustiça social ou ódio a seu semelhante. Incrível! Pensava no amor e na compaixão! Tinha, diante de mim, um filho de Deus. Não desses sepulcros caiados, iguais a mim, mas um ser bom, puro, misericordioso nos andrajos da sua fome e necessidades eternas.

Não pensava em si ou no vazio de sua caminhada inútil do nada para cousa alguma; sentia, sim, piedade de um pobre animalzinho irracional, ferido de morte e presa da dor angustiante, e que lhe morreu no aconchego dos braços frágeis.

Pensei então, comigo, a lembrar Junqueiro no poema O Melro:

"Tudo que existe é imaculado e santo
Há em toda miséria o mesmo pranto
E em todo o coração há um grito igual
(...) Só hoje advinho,
Ao ver que a alma tem a mesma essência,
Pela dor, pelo amor, pela inocência
Quer guarde um berço, quer proteja um ninho!
Só hoje sei que em toda criatura,
Desde a mais bela até a mais impura,
Ou numa pomba, ou numa fera brava,
Deus habita, Deus sonha, Deus murmura !..."

Dei-lhe dez reais e pedi-lhe:

Permita-me apertar-lhe a mão?

Fitou-me, como se não entendesse. Insisti. Deu-me a mão. Apertei-a e senti, ao partir, que estivera diante de um justo, daqueles que Jesus se honrava de ter como irmão.



Alberto Frederico Lins
ESCRITOR



Diário de Pernambuco - 6 de dezembro de 2003

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